sexta-feira, 6 de março de 2020

SE A CRIANÇA TEM CONHECIMENTO DO QUE É “CORRETO”, POR QUE NÃO O FAZ? - Série Telma Vinha, Sandra Tedeschi


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SE A CRIANÇA TEM CONHECIMENTO DO QUE É “CORRETO”, POR QUE NÃO O FAZ?

Esta série de textos são reflexões da autora Sandra Cristina De Carvalho Dedeschi com a orientação da Dra Telma Pileggi Vinha e dizem respeito a resolução de diversos conflitos escolares, usando pesquisas realizadas pela equipe de educadores da UNICAMP. O texto completo está em “Bilhetes reais e/ou virtuais: uma análise construtivista da comunicação entre escola e família”.

No convívio escolar como no familiar, frequentemente os educadores se deparam com situações em que é possível constatar que as crianças e os adolescentes sabem o que deveria ser feito, mas algumas de suas ações são contrárias ao considerado certo por eles mesmos. Surge a questão: se tinham conhecimento de que era “correto”, por que não o fizeram?




Se sabe, fará! Só que não!
Piaget (1954-1994) reconheceu em seus estudos que as ações humanas eram motivadas por uma afetividade, em que destacou que esta caminha paralelamente ao desenvolvimento cognitivo. Para ele, não existem atos de inteligência sem o interesse do sujeito como seu disparador. Verificou que, apesar de a afetividade não ter poder para desenvolver as estruturas, influencia no funcionamento destas, sendo considerada como a energética da ação.

La Taille (2006; 2009) destacou a importância dessa energia afetiva para o agir moral, uma vez que saber o que deve ser feito não é garantia de que a ação desejável será realizada.


Em seus estudos, mostrou que à moral cabem as regras que devemos cumprir se relacionadas ao bem estar de si e dos outros. São elas quem determinam os deveres, isto é, que indicam o que deve ou não ser feito. Portanto, a moral faz parte da dimensão da obrigatoriedade, podendo ser traduzida na forma de uma questão: “Como devo agir?” Assim, o papel da razão torna-se indispensável para que o indivíduo conheça quais são os deveres e as regras a serem seguidos, sendo capaz de tomar decisões, de se descentrar, coordenar perspectivas, pensar por meio de hipóteses. Entretanto, só o conhecimento não é suficiente para uma realização.



Investimento afetivo, valores
Para justificar o que leva um sujeito a agir moralmente, é preciso que o conhecimento esteja revestido de afetividade, ou seja, que se torne valor. Entende-se por valor o investimento afetivo que é depositado num objeto; por exemplo, valorizar ações honestas e justas ou ter uma roupa da moda.

Assim sendo, é preciso considerar que existem valores morais (honestidade, generosidade, justiça etc.) e não morais (beleza, riqueza, poder etc.)

Segundo Adler (1935), todo ser humano, naturalmente, apresenta um sentimento de inferioridade,. . .Dessa maneira, começa a construir suas imagens de si, sendo que ao seu conjunto é dado o nome de representações de si, que são sempre investimentos afetivos.


O que outros pensarão de mim
Além de as representações serem constituídas pelas imagens originadas no juízo que o próprio indivíduo faz dele mesmo, não se pode desconsiderar o papel do julgamento alheio




Essa informação pode levar a uma situação muito presente na rotina das escolas em que um aluno, depois de ser repreendido, frequentemente na frente dos demais, considera que se sua imagem já está decaída e não adianta mais mudar seus atos.

O que normalmente acontece é que como não tem mais nada a perder, repete os comportamentos pelos quais foi repreendido muitas vezes, chegando a piorá-los.
Faz-se necessário o alerta aos educadores de um modo geral que, o conteúdo das críticas e dos elogios, ou seja, dos seus valores transmitidos por suas ações, palavras e até mesmo por um olhar, podem influenciar nessa construção das representações de si.



Conhecimento e moral, ética e afeto

Sendo assim, enquanto o plano moral é responsável pela conscientização das regras, ao ético cabe o controle dessa energia que leva à ação.



“Agora vejamos: se a moral, como um conjunto de deveres, é inspirada pela tomada de consciência, a ética é inspirada por uma energia ou o que chamamos de afetividade” (TOGNETTA, 2009, p. 23).

O olhar da escola, portanto, deverá contemplar essas duas dimensões, a cognitiva e a afetiva, compreendendo que o valor moral não está simplesmente na obediência às regras determinadas socialmente, e sim, no motivo da obediência, isto é, no princípio compreendido em cada ação (PIAGET, 1932-1994).

Concluindo

Saber não garante que alguém fará. Vai depender de quanto aquilo vale para a pessoa. A pessoa pode até ter a consciência moral de que deva seguir aquela regra.
Mas quando aquela regra tiver valor para a pessoa, ela usará de ética. Geralmente quando a pessoa entende a razão da regra (seu princípio), ela tende a querer (valor) cumprí-la.

Em muitos casos, a preocupação será de como vou ser vista por outros. Se isto se tornar valor importante para mim, cumprirei a regra.
Quanto isto vale pra mim, quanto eu construí em minha personalidade por conselhos e por experiência na vida, quanto me agrada, será o valor ou meu afeto.

Se apenas "mandar" sua criança fazer, ou obrigar sob pena de castigo, ou colocá-la no "cantinho para pensar" (pensar o quê?), ela cumprirá a regra somente em sua presença.

Se sei duma regra mas ela não tem valor para mim, não me apeguei a ela, posso até achar que é uma boa regra, uma regra justa, mas posso não fazer.
Se esta for incutida em meu coração, passo a apreciar e torna-se objeto de meu afeto, vira valor para mim, então farei com prazer.

Quer que sua criança obedeça alguma regra mesmo longe dos teus olhares?


- Ajude-a a entender o princípio (as razões por trás).

- Ajude-a a gostar, a ter prazer em cumprir.

"Para que a criança cumpra as normas é preciso que se valha de procedimentos coerentes. É necessário que o adulto associe uma norma a uma sensação de bem estar, de satisfação pessoal ao cumpri-la e também reflita com a criança sobre as conseqüências do não cumprimento da mesma, para que ela vá compreendendo a necessidade de sua existência."
"A relação da criança com o meio ambiente é fator importante no desenvolvimento da personalidade. A criança disciplinada não é aquela que foi treinada a obedecer, mas sim aquela que sabe o porquê de agir ou não de determinada maneira de acordo com a situação, pautando suas ações em valores morais,  independentemente da presença ou não do adulto."
"Assim, nenhuma atitude é definitiva ou faz com que a criança aprenda de uma vez por todas, mas, sim gradualmente, resultante de reflexão contínua, diálogo, trocas de pontos de vista, havendo assim o
amadurecimento de relações."
"O ideal é dialogar sempre, pois a troca de idéias, as argumentações que ocorrem através do diálogo, auxiliam na descentralização da criança e fazem com que ela vá percebendo os diferentes pontos de vista, ampliando seu mundo. Assim, ela vai aprendendo que toda ação provoca uma reação e que é responsável pelos seus atos."
"É preciso uma auto - avaliação constante de conduta por parte de todos e principalmente do professor que exerce influências diretas devido ao seu papel."
"Quando um professor vive com intensidade um determinado valor, este acaba sendo transmitido com força para os alunos."
"Ao contrário do que muitos pensam os valores morais não são ensinados diretamente. Não se pode ensinar a ser honesto, justo ou a respeitar o outro, com sermões, histórias ou lições de moral. A criança
constrói sua moralidade (sentimentos, crenças, juízos e valores) a partir de sua interação com as inúmeras e cotidianas experiências que tem com as pessoas e com as situações. Para se construir tais valores, ela necessita interagir com situações em que a honestidade, a justiça ou o respeito estão presentes de fato."
"A construção de um ambiente cooperativo propicia situações favoráveis para que, aos poucos, ela se auto-discipline, regulando seu próprio comportamento. Os educadores precisam analisar profundamente a contribuição que exercem mesmo sem perceber na construção das personalidades, revendo o ambiente moral no qual estão interagindo, . . ." 
"VALORES NA ESCOLA - MÁRCIA ELAINE CARLOS 2009)


Veja o vídeo onde a Dra Telma Vinha explica isto pessoalmente:
MEDIANDO CONFLITOS NA ESCOLA - TELMA VINHA 



Referências

1 - CONSTRUINDO A AUTONOMIA MORAL NA ESCOLA: os conflitos interpessoais e a aprendizagem dos valores (VINHA, TOGNETA, 2009)

2 - BILHETES REAIS E/OU VIRTUAIS: uma análise construtivista da comunicação entre escola e família (SANDRA CRISTINA DE CARVALHO DEDESCHI, 2011)

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